Democratizar o acesso às obras mais emblemáticas
A M. MOLEIRO É UMA EDITORA QUE CLONA OS MAIS EMBLEMÁTICOS CÓDICES DA HISTÓRIA, TORNANDOOS ACESSÍVEIS AO GRANDE PÚBLICO E DEMOCRATIZANDO O CONHECIMENTO. SAIBA MAIS, NA ENTREVISTA QUE SE SEGUE.
Como nos pode apresenta a M. Moleiro?
A M. Moleiro é uma editora completamente diferente do que entendemos por uma editora. O nosso objetivo é clonar os manuscritos com as miniaturas mais fascinantes que foram pintadas entre os séculos VIII e XVI e que sobreviveram à passagem e peso da história como obras-primas da história da arte, reconhecidas e catalogadas como tal, e que são preservados, como tesouros, nas bibliotecas e museus nacionais mais importantes do mundo.
As edições de M. Moleiro são exemplos fiéis das obras mais renomadas do mundo. Como é reproduzir peças tão únicas?
Por causa de seu enorme valor cultural e económico, e para garantir sua conservação, eles não são acessíveis para consulta praticamente para ninguém. É por esse motivo que os clonamos em 987 exemplares, numerados e notarialmente certificados, para que suas miniaturas, seus textos, sua encadernação, etc., tenham uma maior difusão. No fundo, é democratizar os códices que outrora foram propriedade de uso exclusivo de reis como Manuel I de Portugal, Isabel a Católica, imperadores como Carlos V ou Maximiliano, sultões como Murad III e Papas como León X. Também é fundamental devolver aos países de origem, como Portugal e Espanha, seu património cultural perdido pelas vicissitudes da história.
Para o mercado português, a M. Moleiro trabalha grandes obras dos Descobrimentos. Quais são essas obras e qual é o papel que elas desempenham para lembrá-lo da história do nosso país?
De Portugal, nós clonamos e estudamos o melhor da sua cartografia. Infelizmente, quase toda a produção cartográfica de Portugal não é preservada em Portugal, mas nas bibliotecas nacionais de países como a Inglaterra, a França e a Rússia e em museus nos Estados Unidos. Assim, clonamos o Atlas Universal de Diogo Homem, de 1565, na Biblioteca Nacional da Rússia, o Atlas Miller na Biblioteca Nacional da França, o Atlas Vallard na Biblioteca Huntington dos Estados Unidos. O Atlas Vallard, embora tenha sido feito em Dieppe, na França, tem noventa e oito por cento de seus nomes de lugares em português, portanto, não há dúvida de que seus cartógrafos eram portugueses. Posso dizer, sem qualquer receio de erro, que clonamos o melhor da cartografia da época das descobertas. Um tempo em que a cartografia portuguesa era a melhor do mundo, tanto pela sua precisão nos traçados cartográficos como pela sua iconografia. Era uma cartografia super luxuosa de uma potência mundial da época.
Por exemplo, o Atlas Universal de Fernão Vaz Dourado é uma obra riquíssima a vários níveis. Como surge este interesse por obras históricas?
Por sorte, o Atlas Universal de Fernão Vaz Dourado está conservado na Torre do Tombo, em Lisboa, e para mim foi um prazer imenso conseguir clonar 987 exemplares dessa obra. O clone, fac-símile, é acompanhado por um estudo de doze especialistas de diferentes universidades e instituições portuguesas: o Arquivo Nacional da Torre do Tombo, a Universidade do Porto, a Universidade de Lisboa, a Universidade Nova de Lisboa e o Museu Nacional do Azulejo. Uma equipa excecional para um trabalho que é a imagem de Portugal no melhor momento da sua história.
É fácil aceder a estas obras? Quais os cuidados necessários para fazer uma reprodução fiel destas obras?
O acesso é praticamente impossível por motivos de conservação e proteção. Agora, quem quiser pode comprar um desses 987 clones, fac-símiles, e enriquecer a sua biblioteca. Um tesouro para ele, e seus descendentes. Qualquer pessoa que queira saber as condições em que uma dessas cópias pode estar em sua biblioteca só precisa de nos contactar e daremos todo o tipo de informações para a sua aquisição.
Agora, se me pergunta como clonamos um original, posso dizer-lhe que é um processo muito laborioso e, por conseguinte, todos os detalhes são confirmados junto do original, seja onde ele estiver guardado. Os originais não viajam e, portanto, temos que ser nós a ir ao seu encontro, onde quer que eles estejam e, sempre, debaixo do olhar atento dos seus conservadores.
O mais curioso das vossas obras é que não representam apenas o grafismo, reproduzem também, por exemplo, o cheiro de obra antiga. Como conseguem alcançar estes níveis de perfeição?
O nosso objetivo é obter cópias difíceis de diferenciar dos originais. Foi esse nível de qualidade que levou o Times a classificar nosso trabalho como A Arte da Perfeição em um belo artigo e o jornal Le Monde para qualificar nossos códices como clones. Produzimos um pergaminho vegetal com o mesmo toque e espessura que o original em que estamos trabalhando. As peles da encadernação e todos os outros materiais são os mesmos que foram usados quando os originais foram criados. Como o Herald Tribune escreveu, nossos espécimes cheiram até mesmo aos originais. O resultado do nosso trabalho foi ecoado pela mídia mais importante e séria do mundo.
Em 2019, celebram-se os 500 anos da primeira circunavegação do planeta. Podemos estar no momento certo para falar do Altas Miller? Que traz de novo este Atlas ao mundo, em 1519?
O Atlas Miller foi mandado fazer por Manuel I de Portugal e, de forma unânime, é considerado o documento mais importante da história da cartografia. É um tesouro, produzido em Lisboa em 1519 e conservado, como grande tesouro que é, na Biblioteca Nacional de França. Alguns autores defendem que é uma tentativa de Manuel I de Portugal provar a Carlos V a inviabilidade do projeto de Magalhães. Uma tentativa que estava interessada que essa grande viagem, aquela façanha, tivesse sido feita sob bandeira portuguesa. Aparentemente, Manuel I queria fazer contas com Magalhães, um português a serviço de uma coroa concorrente de Portugal.
São muitas as obras que fazem parte da vossa coleção, mas recentemente lançaram uma nova. Quer falar-nos um pouco sobre o Livro da Caça, de Gaston Fébus?
O Livro de Caça, de Gaston Fébus, é o nosso último trabalho e é o códice mais bonito alguma vez feito sobre caça, sobre os costumes, sobre a natureza e a vida desde a última década de 1300. É um códice com tantas miniaturas, tão belas e com tanto ouro que o posicionam como o livro de caça mais belo do mundo. Este extraordinário códice tem tantas miniaturas quanto a melhor bíblia da época. Mais do que um livro de caça é um livro da vida. Temos que perceber que a caça, nos finais de 1300, não tem nada a ver com a caça atual, era, então, uma fonte de vida e hoje não é assim.
Para o futuro, quais são os grandes objetivos?
Atualmente, estamos a trabalhar em dois códices sobre o Apocalipse de São João. O nosso objetivo, agora e no futuro, é continuar a clonar os tesouros bibliográficos com um tal nível de qualidade que seja impossível diferenciar o original do clone conservando assim os originais, ao mesmo tempo que democratizamos o seu acesso, tornando-o acessível a, pelo menos, 987 pessoas. As nossas obras gozam de prestígio por todo o mundo porque conseguimos criar níveis de autenticidade q ue nunca ninguém conseguiu criar.